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Profissional Moderno

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06 de Agosto, 2020

Aprender com a equipa Mercedes de Fórmula 1

Luís Rito

Sendo um fã incondicional de F1 desde pequeno, não deixo de ficar espantado como a equipa Mercedes tem vindo a dominar o desporto nos últimos anos. Este tipo de domínio não é por acaso, e sendo uma pessoa altamente curiosa sobre como uma empresa se organiza, levou-me a explorar melhor o porquê de uma única equipa ser tão dominante em relação a todas as outras. Para quem não conhece bem o desporto, a Mercedes tem vindo a ganhar campeonatos desde o ano 2014, continuando em 2020 a exercer um domínio claro sobre toda a concorrência. Porque serão tão bons? Terá a ver apenas com os pilotos ou também com a grande equipa que está por detrás? Bom, na F1 onde se luta por milésimos de segundo, considero que tem que existir um misto entre mestria de um piloto e de excelência por parte de toda a equipa. Na fábrica onde são produzidos os carros, toda uma equipa de centenas de pessoas trabalha em sincronia como um relógio suíço. Apesar de toda a forma como trabalham ser um segredo bem guardado, podemos através de alguns excertos identificar a cultura que se vive dentro da equipa. Transcrevo abaixo palavras de Toto Wolf, Team Principal da Mercedes:

 

“It’s about the marginal gains,” said Wolff of their success. “It’s about putting everything together and not leaving one stone unturned, having a no-blame culture, empowering [people], even when it’s difficult sometimes when you would rather control things. I think the strengths go very deep, values that are engrained in the teams that you can’t put on a Powerpoint and say ‘now we are empowered’.”

 

Não posso deixar de falar das primeiras palavras do Toto Wolff, tem tudo a ver com ganhos marginais. Ora, como já referi acima, na F1 luta-se por milésimos de segundo, temos na grande maioria das pistas 2 a 2,5 segundos a separar o carro mais rápido do carro mais lento, são margens muito pequenas. A atenção ao detalhe tem que ser levada a outro nível. É por isso que a equipa tem que investir enormes esforços na perseguição da perfeição, mesmo quando já são os melhores. Fazendo o paralelismo com o mundo da alta cozinha, por exemplo, a diferença entre um restaurante muito bom e outro com várias estrelas Michelin são os detalhes e a procura pela excelência. A quantidade e qualidade das pessoas necessárias para assegurar um restaurante com estrela Michelin tem que ser superior. Em alguns casos chegam a pôr a mesa com uma régua para que a distância entre os talheres seja a mesma em todo o restaurante.

Ora, analisando as palavras do Toto Wolff transcritas acima, e fazendo alguma pesquisa na internet, facilmente percebemos algumas características fantásticas da equipa Mercedes. Faço um resumo de algumas delas que considero serem uma verdadeira vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes.

 

Não são complacentes

 

Uma equipa que ganha desde 2014 e continua a evoluir ano após ano é tudo menos complacente. O foco na melhoria é contínuo, a procura pelos ganhos marginais é constante, principalmente num desporto onde se discutem milésimos de segundo. Tudo conta, desde o mais pequeno pormenor até ao maior. Quando se é o melhor durante vários anos pode-se tender a achar que se é superior, que provavelmente não é necessário trabalhar tanto para obter bons resultados. Com a Mercedes nada poderia estar mais longe da realidade, existe humildade e respeito pela concorrência, o que faz com que não exista desleixe. Apesar de todos os outros não chegarem ao seu nível de performance, a equipa continua a sua jornada constante e interminável pela procura de melhorias. A não complacência e fome de continuar, mesmo depois de se chegar ao topo é uma grande vantagem. Tudo tem que funcionar de forma sincronizada, as equipas que fabricam a unidade motriz (motor) têm que estar alinhadas com a equipa de chassis, com a equipa de aerodinâmica, com as equipas de fabrico, com os próprios pilotos, etc...é um mundo muito complexo. Este tipo de performance é extremamente raro, tanto mais quando estamos a falar de uma empresa composta por centenas de pessoas.

 

Cultura de empowerment

 

Dito pelo próprio Toto Wolff, uma cultura de empowerment é fundamental numa organização de alto desempenho. Em empresas de conhecimento, onde imperam pessoas inteligentes e ambiciosas, aplicar estratégias de microgestão e controlo apertado não funcionam. Esse tipo de estratégias só fará as pessoas retraírem-se em situações onde deveriam estar a colaborar. Numa empresa como a Mercedes não existem umas dezenas de cérebros que decidem tudo, mas sim centenas de cérebros inteligentes que compõem uma espécie de mastermind. Apenas com este tipo de estratégias se consegue que 1+1 seja igual a 3, 4 ou quem sabe mais ainda. Objetivos e valores são muito bem definidos, toda a equipa tem de saber em que direção se está a dirigir. Fechando e alinhando os objetivos, deve-se dar autonomia e liberdade para a equipa os perseguir da forma que achar melhor. Na Mercedes todos sabem o que se espera deles, ganhar os campeonatos de pilotos e de construtores.

 

Lealdade da equipa

 

Quando se dá excelentes condições às pessoas, e quando se é o melhor, existem poucos motivos para se querer sair. A equipa Mercedes tem pessoas com elevada lealdade, muitas delas desde o início da própria equipa. Começando pelas excelentes instalações, pela qualidade da comida que servem, pelas bebidas gratuitas, pelo café de qualidade superior, pelo brinde com champanhe para toda a equipa sempre que uma corrida é ganha, nada é deixado ao acaso. A Mercedes chega a enviar as almofadas pessoais dos colaboradores que estão deslocados numa corrida, para que todos descansem convenientemente e estejam prontos para dar o seu melhor. Na fábrica/sede todos os colaboradores têm lugar pra estacionar o carro, para assim evitar que comecem o dia stressados ou chateados. Todos sem exceção, desde os escalões mais baixos até aos mais altos recebem um bónus sempre que a equipa ganha o campeonato de construtores. A equipa percebeu que ter pessoas leais faz aumentar a sua produtividade e empenho, e é por isso que não olha a custos na hora de dar todas as condições às suas equipas.

 

Erros são oportunidades de melhorar

 

Erros são sempre vistos como oportunidades. Existe uma cultura de não-culpabilização. Quando se analisa um erro não é para apontar o dedo a alguém, mas sim para melhorar e garantir que não torna a acontecer. A Mercedes recolhe dados de uma grande variedade de fontes, da telemetria até à performance da equipa numa paragem na box. Várias sessões são realizadas com os engenheiros e pilotos, sempre com o objetivo de corrigir possíveis erros que se possam ter cometido. Fazendo um paralelismo com a indústria aeronáutica, quando começaram a existir aviões a probabilidade de queda era bastante mais alta do que é agora. Por mais horrível que seja, cada avião que caiu contribuiu de forma considerável para a evolução dos processos, materiais, formas de construção, etc. É por isso que hoje em dia, os aviões que caem são tão escassos. É resultado de uma evolução constante ao longo de vários anos. A Mercedes faz uso da mesma estratégia, e é por isso que raramente vemos a equipa a cometer o mesmo erro duas vezes. Sebastian Vettel, piloto da Ferrari, admitiu publicamente que a Mercedes está perto da perfeição, realçando a sua consistência e a quase ausência de erros. Isto apenas é possível com uma vontade enorme de aprender sempre que se erra.

 

Acima listei algumas das características que fazem a equipa de F1 da Mercedes tão fenomenal. A beleza é que todos os pontos podem ser aplicados em qualquer outra empresa. Não digo que seja fácil, a transformação é na grande maioria dos casos difícil. Mas como todos os grandes esforços, deve-se sempre começar pelo ponto lógico, pelo início :). Espero num post futuro conseguir aprofundar mais este tema, nomeadamente como pode uma empresa fazer uso destas e de outras estratégias para se reinventar e elevar-se para o próximo nível.

 

 

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