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Profissional Moderno

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01 de Setembro, 2020

Ganhos Marginais e porque são tão importantes

Luís Rito

No meu último artigo, mergulhámos um pouco numa série de características que fazem a equipa de F1 da Mercedes-Benz tão especial. Um dos conceitos abordados no artigo, foi o conceito de ganhos marginais, introduzido de uma forma superficial no texto. Para que possas ter algum contexto nesta leitura, dá uma olhadela no artigo Aprender com a equipa Mercedes de Fórmula 1. Hoje abordaremos de uma forma mais aprofundada o conceito de ganhos marginais, recorrendo a alguns exemplos para ilustrar melhor as suas vantagens. O que são então ganhos marginais? Uma excelente definição, é a capacidade que uma entidade tem de subdividir um grande objetivo em pedaços bem pequenos, e aplicar melhorias a cada um deles, por mais pequenas que sejam. Ao juntar todas essas pequenas melhorias, de todos os pedaços previamente identificados, o incremento será enorme. É muito fácil descartarmos pequenas melhorias por acharmos que não vão ter qualquer tipo de impacto no resultado final. Tendemos a achar que para atingir uma mudança radical são necessárias ações radicais, o que não é a realidade. Seja na perca de peso, acumulação de riqueza, criação de um negócio, etc, o segredo está sempre na consistência com que aplicamos pequenas melhorias no nosso dia-a-dia, na capacidade de partir um grande objetivo em objetivos mais pequenos que podemos seguir e avaliar. De um ponto de vista matemático, se conseguires incrementar algo, nem que seja em 1%, no final de um ano vais ter um ganho muito considerável. Senão vejam, 1,01^365 = 37,78, ou seja, se melhorares 1% todos os dias, vais acabar o ano 37 vezes melhor do que quando iniciaste. Repetindo estes pequenos ganhos marginais ao longo de vários anos, facilmente percebes que é possível chegar a um nível de excelência. Decerto entendes que nem sempre será fácil obter uma melhoria, mas o segredo está em realizar ciclos constantes, dando muita relevância ao feedback. Em cada um destes ciclos é testada uma hipótese de melhoria. Através do fornecimento de feedback, toma-se então a decisão de considerar a hipótese como um sucesso, ou como uma tentativa falhada. Este método de constatação de hipóteses nada mais é que a aplicação de um verdadeiro método científico (observação, realização de perguntas, criação de hipóteses, experimentação de hipóteses, análise e conclusão). Relembro que ainda que uma hipótese resulte num resultado menos positivo, ainda assim o verdadeiro ganho é a capacidade de aprendizagem, já que no próximo ciclo pode-se optar por uma hipótese ligeiramente diferente que poderá vir a dar ganhos fenomenais. Talvez o caso mais conhecido desta corrente de pensamento é o de Thomas Edison. Até obter sucesso na criação da primeira lâmpada, passou por cerca de 700 tentativas falhadas. Chegou a ser questionado pelos seus assistentes sobre se valeria a pena continuar a insistir, já que não tinham avançado um único passo. A resposta foi fenomenal:

 

"Não avançamos um único passo? Avançamos 700 passos na direção do sucesso. Sabemos de 700 coisas que não funcionaram. Estamos muito além de 700 ilusões que mantínhamos no passado e que hoje não nos iludem mais. Ainda chamas a isto perda de tempo?"

 

A constatação das hipóteses deve ser sempre acompanhada por medições muito precisas e fidedignas, já que só assim é possível afirmar que uma hipótese foi ou não um sucesso. Este ónus não pode ficar apenas na opinião de um conjunto de pessoas, mas sim de métricas bem definidas. A opinião das pessoas está normalmente sujeita a um conjunto de variáveis que nada têm que ver com a análise da hipótese. Podem por exemplo entrar em jogo fatores emocionais, ou por exemplo casos em que alguém muda a sua opinião para que se torne similar à opinião dos demais. É por isso que este tipo de decisões deve recair sobretudo na análise de variáveis mais quantitativas. Por exemplo, quando o objetivo de uma pessoa é perder gordura, uma das medidas que utilizamos para medir progresso é um número representado em Kg, o peso. Existem outro tipo de medidas, como a % de massa magra, % de massa gorda, perímetro abdominal, etc. Este tipo de medidas é sempre mais precisa que olhar para um espelho e tentar adivinhar se estamos ou não a fazer progressos.

Recorrendo uma vez mais ao exemplo da Mercedes-Benz e da F1, é comum a equipa utilizar ciclos iterativos de melhoria apenas para otimizar a forma como recolhem e medem os KPI´s que interessam. Isto acontece, pois, estamos a lidar com problemas complexos, portanto a primeira tentativa para os otimizar deverá ser bem longe do ideal. Com recurso a sensores, podem testar as hipóteses e decidir se esta é ou não um sucesso. Acontece que com a primeira iteração são feitas descobertas que não estavam a ser tidas em conta, daí a necessidade de muitas vezes realizarem um novo ciclo apenas para melhorar a forma como recolhem KPI´s e estatísticas. Apenas quando sabem que os KPI´s estão corretos, avançam para o processo propriamente dito de melhoria. Reparem na diferença e no contraste com outras realidades, onde hipóteses são escolhidas por "feeling" e não por evidências. Para que possam ter uma ideia, a Mercedes-Benz chega a colocar cerca de 8 sensores em cada uma das pistolas que removem as porcas que prendem as rodas, para que assim possam otimizar as paragens nas boxes. Apenas ao olhar para os dados (e não a falar com o mecânico que as coloca), é possível obter informação sobre por exemplo, um desvio de 15 graus da posição correta em que se deve introduzir a pistola, quando foi iniciada a sua rotação, a velocidade com que o mecânico se afastou, quanto tempo demorou a colocar um pneu, quando tempo o demorou a aparafusar, etc. Toda esta fonte de dados, alimenta KPI´s que são utilizados para melhorar o tal 1% em cada ciclo de otimização. Esta metodologia aplicada a centenas de pequenas partes de um todo, resulta num efeito composto. Tal como o dinheiro no banco sob o efeito de juros composto tende a crescer de forma exponencial ao longo do tempo (juros dos juros originam ganhos cada vez maiores), as pequenas melhorias de 1% ao longo do tempo vão transformar um indivíduo, uma equipa, uma empresa numa das melhores na sua área de atuação.

 

O segredo da Fórmula 1 nos dias de hoje não tem que ver com desenvolver algo que seja revolucionário, o segredo é aplicar melhorias em todos os milhares de pequenos items, e otimizá-los a um nível de excelência. As pessoas tendem a pensar que um motor é algo que evolui com base em decisões estratégicas, mas na realidade o que é um motor senão um conjunto de pequenos componentes? O objetivo é começar com um desenho simples e funcional, e através de um processo iterativo chegar a uma solução o mais ideal possível, já que será praticamente impossível atingir a perfeição. O sucesso depende de ter um ciclo iterativo de melhorias enraizado na organização. Realizar melhorias não é algo fácil, é necessária criatividade e muito esforço para obter ganhos de algo que já é muito bom. Olhar para o que os dados nos estão a dizer, para os KPI´s e encontrar soluções para os melhorar exige uma equipa a trabalhar no seu melhor. Criatividade que não é guiada por um mecanismo de feedback não passa de esforço que se dissipa e se perde. Devemos ambicionar falhar mais, porque apenas quando falhamos nos é dada a hipótese de fazer melhor, evoluir. Ganhos marginais são quase invisíveis no curto prazo, melhorar 1% não é lá grande coisa. Mas é no médio e no longo-prazo que essas pequenas melhorias e escolhas começam a separar os que têm sucesso dos que não têm. Bons hábitos devem ser incentivados. Curiosamente, os bons hábitos são difíceis no imediato e trazem grandes benefícios no futuro, enquanto maus hábitos são fáceis no imediato, mas trazem grandes perdas no futuro. É sempre mais difícil seguir uma alimentação cuidada e fazer exercício hoje, já que apenas vamos ver benefícios alguns dias ou meses depois. Por contraste, sentar-me agora a ver televisão e a comer comida prejudicial dá-me uma recompensa imediata, mas castiga-me mais tarde sob a forma de gordura e problemas de saúde.

É fundamental fazer uso desta poderosa forma de estar na vida, e utilizá-la quer dum ponto de vista pessoal como de um ponto de vista profissional. As empresas devem também manter um olho na forma como trabalham, cultivar um ambiente onde não se espera ter tudo perfeito desde o momento zero é fundamental. Fazer uso de ciclos de melhoria deve estar no ADN das suas pessoas. Nem todas elas se vão identificar com esta forma de trabalhar, afinal procurar constantemente a melhoria exige perfis que não se dão bem com a rotina e com o conformismo. É fundamental incorporar mais pessoas com este perfil, para que consigam em conjunto construir uma cultura que possa "contagiar" todos os outros elementos. Parte do segredo das grandes empresas começa na sua cultura, e é por isso que uma empresa deve batalhar. Mudar e evoluir é algo positivo, procurar pequenas melhorias ainda mais, e são essas pequenas melhorias que te vão levar para o próximo nível. O relógio nunca vai parar, o que vais escolher? Ser hoje 1% melhor ou 1% pior?