Longas horas de trabalho compensam?
Recentemente surgiu uma notícia sobre os longos horários de trabalho de colaboradores do Goldman Sachs. Alguns analistas afirmam ter semanas de trabalho de 100h, sem qualquer dia de folga. As horas para dormir também não são muitas, andam a rondar as 4h/5h. Assumindo que as horas de trabalho são distribuídas de igual forma por todos os dias da semana, 100h semanais são mais de 14h/dia. Se assumirmos que não se trabalha ao Sábado, os analistas passam mais de 16h/dia no escritório. Tendo em conta que necessitam de se deslocar para casa, alimentar-se, dormir e todas as atividades normais que um ser humano precisa, rapidamente se percebe que a atividade mais sacrificada é mesmo o sono. Muitos deles entendem que é o preço a pagar para fazer parte de um banco de investimento de prestígio, como é o caso do Goldman Sachs, mas pessoalmente, considero que este tipo de horários de trabalho é muito pouco sustentável. O ser humano não é uma máquina, não evoluímos de forma a poder trabalhar mais, muito pelo contrário. Sou uma das pessoas que acredita que mais horas de trabalho não significa mais produtividade. O cérebro não consegue manter o foco durante tantas horas, ainda por cima sem descanso adequado. Muitos profissionais enganam o cérebro tomando todo o tipo de drogas que lhes permite estarem mais focados e mais despertos. É um pouco como o uso de drogas no ciclismo. Quando se fala em resistência sobre-humana, existe sempre o factor "ajuda externa"!
Onde quero chegar com todo este discurso? Bom, eu sou um apoiante de ritmos de trabalho sustentados. Sou o primeiro a dizer que se for necessário fazer um esforço durante um período de tempo, estou totalmente disponível. O problema é quando o esforço se prolonga durante todo o ano, seja por excesso de trabalho atribuído às pessoas, seja por problemas no planeamento. As novas gerações de profissionais procuram muito mais equilíbrio e flexibilidade. Não querem estar fechados num escritório 16h/dia durante meses ou anos, simplesmente preferem desistir e seguir em frente. Um profissional está no seu melhor se tiver descanso adequado. Veja-se o caso do Horta Osório quando foi nomeado CEO do Lloyds Bank. Após alguns meses sucumbiu a um burnout por excesso de trabalho. Desde aí é um grande defensor de um equilíbrio entre trabalho e descanso. Estes temas não são brincadeira, e devem ser encarados muito a sério. Em alguns países já é mal visto ficar a trabalhar até mais tarde, que é exatamente o contrário do que acontece em Portugal. Normalmente, por terras Lusas, quem fica até mais tarde é que é o esforçado, mesmo que produza metade daquele que entra 30m mais cedo, termina todas as suas tarefas e sai na hora estabelecida em contrato.
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Urge as empresas começarem a pensar em tarefas e não em tempo. Isto ainda é mais válido num contexto de pandemia em que milhares de pessoas trabalham a partir de casa. Não se deve monitorizar o tempo que o colaborador se encontra na empresa, mas sim a quantidade de trabalho que consegue produzir. Claro que nem sempre é fácil, tornando-se muito mais simples controlar o tempo. É por isso que surgem cada vez mais metodologias ágeis, onde o trabalho diário/semanal de cada colaborador é alinhado e definido (e normalmente colocado em Kanban´s). Através desses planos semanais e diários, é possível ter uma ideia muito clara de quais as tarefas de cada pessoa, e consequentemente prestar menos atenção ao fator tempo e mais atenção ao fator objetivos. Se um colaborador termina mais cedo todas as suas tarefas da semana, porque não pode sair por exemplo 2h mais cedo? Nos dias de hoje, as pessoas dão muito valor à flexibilidade, a forma como uma empresa lida com isto passou a ser tão importante para reter um colaborador como o fator salário. Pessoas com horários flexíveis vão estar menos disponíveis para mudar de emprego. Existe ainda o reverso da medalha, que é a empresa aproveitar essa definição semanal/diária de objetivos para dar tarefas impossíveis de realizar em 8h/dia. Ninguém ganha com isso, pode parecer que a empresa ganha no curto prazo, mas no médio e longo vai acabar por ter pessoas cansadas e a abandonar as suas funções. Nunca se deve hipotecar o médio/longo prazo por ganhos no curto prazo. Uma empresa existe para se manter "no jogo" o máximo tempo possível, logo os seus maiores objetivos e ações deveriam estar no médio e longo prazo.
Voltando ao caso Goldman Sachs, este banco pode dar-se ao luxo de continuar a abusar das pessoas, pois vão sempre existir profissionais mais novos e mais motivados a sair das faculdades, com vontade de trabalhar 100 ou mais horas. Depende da empresa, querer ou não tomar a decisão de dar aos seus colaboradores condições de trabalho decentes e impor limites. Bem sei que os salários nesse tipo de bancos são muito elevados, mas existe um limite para o que uma pessoa aguenta, e é seguro que semanas de trabalho de 100 ou mais horas não são de todo saudáveis.
Cabe a cada empresa tomar a atitude ética de definir regras que protejam os seus colaboradores, criando assim uma relação win-win, onde todos podem beneficiar.